sábado, 15 de outubro de 2016

Walking in my shoes

Eu queria escrever qualquer coisa mais positiva aqui no blogue e não mais um texto sobre a minha fobia social, confesso. Não é que ande infeliz ou desmotivada ultimamente, mas desde que comecei a trabalhar "à séria", tenho que ultrapassar diariamente todos os obstáculos que isto traz.
Vou tentar que este post mostre o conflito que se processa no meu cérebro em situações tão corriqueiras que se calhar outras pessoas nem pensariam duas vezes.

Talvez um dia mostre este post aos meus colegas.

A essência da minha fobia social (e baseio-me no que sinto e nas conversas que tive com uma psicóloga, não sei se é igual para toda a gente) é o medo de parecer mal.

Se calhar quem ler isto pensa "Olha que parva, então não temos todos um bocadinho de medo de parecer mal? Ninguém gosta propriamente de fazer figura de palhaço". Pois, certo. O problema é quando esse medo chega a extremos e começa a prejudicar a nossa vida.

Eu tenho medo de mandar e-mails. O simples acto de abrir uma janela de novo e-mail e escrever uma mensagem deixa-me nervosa. Quando andava a trabalhar na tese e tinha de marcar reuniões com o meu orientador, ficava longos minutos a olhar para o cursor no ecrã, a tentar arranjar a melhor maneira de colocar as palavras para não parecer estranha ou sem nexo. Quando é a minha vez de pagar a renda da casa, peço ao meu namorado para enviar o comprovativo para os senhorios, porque não quero ser eu a mandar o e-mail. Fico nervosa a pensar o que é que a/as pessoa/s do outro lado irão pensar ao ler o que escrevi. Fico nervosa a pensar no que é que irão responder.

Eu tenho medo de mandar mensagens no chat do Facebook, e por isso não faço ideia se as minhas amigas do secundário estão bem ou não. Às vezes penso nelas e penso que gostaria de saber delas, mas não há coragem para mandar uma mensagem. Penso "para quê? Vão achar super estranho. Vão pensar que lhes vou pedir alguma coisa. E no fim vai ser uma daquelas conversas à moda do Messenger do antigamente, olá/olá/tudo bem/tudo e contigo/também, e para isso também não vale a pena".

Eu tenho medo de pedir ajuda. Eu já tinha noção disso, mas tornou-se pior quando comecei a trabalhar. Cada vez que estou bloqueada ou tenho uma dúvida e não há pesquisa no google que me ajude, começa o seguinte diálogo (monólogo?) na minha cabeça:
"- Devia chamar o X para me vir dar uma ajuda"
"- Mas ele agora parece estar ocupado, e está com os phones postos"
"- Então manda-lhe uma mensagem pelo Slack"
"- Mas e se o chateio? E se ele não vê e eu fico aqui bloqueada o resto do dia? E se ele não me pode ajudar? E se ele acha que eu sou uma burrinha de todo o tamanho por estar sempre a chateá-lo com pedidos de ajuda?"
"- Se ele estiver ocupado vê a mensagem quando puder. E há outras coisas que podes fazer. E se ele não te puder ajudar, pode indicar-te alguém que possa. E ele até te pode achar burrinha mas ficares bloqueada sem fazer nada é bem pior e prejudica a equipa"
"- Mas não me apetece mandar mensagem, não tenho jeito para escrever e parece que uma pergunta simples fica estranha"
"- Pois, mas tem de ser."
"- Mas não me apetece..."
Eventualmente lá chamo/mando uma mensagem ao colega em questão. Só que enquanto este monólogo se processa, passam longos minutos. Minutos que eu poderia ter usado de forma útil.

Também tenho medo de pedir ajuda a empregados de lojas. O quê, perguntar à/ao empregada/o se existe um tamanho acima? Estou mesmo a ver, é só virarem costas e desatam-se logo a rir, "olha esta gorda, é tão gorda que precisa do tamanho acima"

Tenho medo de fazer/atender telefonemas.

Sinto-me desconfortável se tiver de me sentar numa cadeira sem uma mesa à frente. Sinto-me exposta e vulnerável e que toda a gente vai olhar para mim. No metro ou nos autocarros ponho sempre a mala ou o casaco no colo a fazer de escudo protector. Há umas semanas no escritório um colega resolveu fazermos todos um círculo de cadeiras e falarmos sobre coisas que poderiam ser melhoradas na empresa. Ao fim de alguns minutos já me estava a passar, sentia que toda a gente olhava para mim.
E quando me obrigaram, efectivamente, a falar (eu não tinha grandes opiniões, mas forçaram-me a pensar em qualquer coisa), então aí nem se fala.

Sinto-me desconfortável quando tenho de falar em reuniões, e todos os dias tenho uma mini-reunião com a minha equipa onde rapidamente discutimos o que foi feito e o que vai ser feito nesse dia. Quando chega a minha vez, gaguejo sempre, não encontro as palavras, e explico-me mal.

Não tenho propriamente amigos. Não é que não goste nem me preocupe com as pessoas. É toda a história dos e-mails e das mensagens do Facebook. Mesmo já conhecendo minimamente toda a gente na empresa, não me sinto à vontade com ninguém - na verdade, cada vez que estou a almoçar sozinha na copa e chega mais alguém, fico super ansiosa a desejar que chegue mais alguém para que eu não tenha que fazer conversa. Again, não é por não gostar dos meus colegas. Simplesmente demoro mais de o dobro do tempo (se calhar dez ou vinte vezes mais) a sentir-me à vontade perto de pessoas novas e a deixar de me sentir estúpida por cada palavra que digo.

E, regra geral, sinto-me mal comigo mesma, todos os dias.

Esta sexta feira tive mais uma reunião com a minha equipa, onde discutimos as coisas que correram bem e que correram mal durante a semana. Faço sempre o mesmo comentário todas as semanas, que me sinto lenta e a fazer poucos progressos e eles garantem-me que com algum tempo e experiência vou melhorar. E que devo pedir ajuda e não ficar bloqueada. E eu fico ali a sentir-me irritada comigo mesma, a querer explicar o porquê de eu ser assim, a sentir-me mal por ser como sou.

Aos poucos e poucos vou fazendo progressos, mas ainda assim, acho que vou ser sempre aquela pessoa awkward onde quer que vá.

Pode ser que um dia eu tenha coragem de mostrar este post às pessoas que me rodeiam. Pode ser que um dia alguém compreenda.

4 comentários:

Anónimo disse...

E porque não começar com pequenas coisas? Uma mensagem no messenger não ofende ninguém e uma vez que não está a ver a pessoa nesse momento talvez seja o mais fácil. A confiança ganha-se aos poucos, um passo de cada vez.
Pelo que percebi está à pouco tempo no seu local de trabalho, falo por experiência própria quando digo que todos compreendemos a timidez quando alguém entra de novo numa equipa, é perfeitamente normal. Vou confessar-lhe: até estranhamos quando existe demasiada extroversão, soa a falso e "lambe botas". Com o tempo vai perder o medo de pedir ajuda e de conversar com os seus colegas. Não se esqueça que hoje está nessa posição, mas amanhã poderá vir outro estagiário e será você a ter de o ajudar.
Quando fala em enviar uma mensagem no messenger em vez de parar no "tudo bem" continue a escrever algo do género "Não te/o vejo há tanto tempo, o que tens/tem feito?" e pode também contar um pouco da sua vida (isto se se tratarem de amigos efectivamente), às vezes as pessoas afastam-se por andarem ocupadas com novos projectos, não fazem por mal... E por muito estranha que se sinta, vai ver que com o tempo vai melhorar e pode até criar novas ligações que outrora perdeu. Além disso (e pelo que percebi pelo post) a autora sempre teve algumas dificuldades de comunicação e provavelmente os seus colegas confundiam isso com timidez, já pensou que pode usar isso a seu favor? Os seus colegas/amigos não vão estranhar tanto se a conversa for mais curta e talvez compreendam as suas curtas palavras! Não se esqueça que não é mais uma aluna da escola secundária, todos os seus amigos provavelmente terão amadurecido e serão mais compreensivos. Quando se sentir mais confiante após estas conversas pode aos poucos combinar cafés, etc....
Coragem e boa sorte, eu sei que é capaz!

Catarina disse...

Obrigado pelo comentário :)
Estas sugestões não são novas para mim, mas a verdade é que da teoria à prática, no meu caso, existe uma distância bastante grande, visto que estes medos que aqui exponho chegam a ser paralisantes.

Tal como disse, a confiança ganha-se aos poucos, e neste momento estou a tentar ganhá-la no meu emprego - não só por ser onde passo maior parte do meu dia, mas também porque todas esta fobias estão a afectar o meu desempenho. Tenho, de facto, uma grande sorte em estar onde estou, porque houve quem se apercebesse e se tenha oferecido para me ajudar - com estratégias para me desafiar e ir ultrapassando os medos e inseguranças aos poucos e poucos.

Neste momento a ideia de mandar mensagem a alguém no facebook ainda me parece demasiado assustadora, mas quem sabe um dia destes...?

Isabel Cerejinho disse...

Olá, Catarina :) Partilho muito desses teus sintomas; não sabia que encaixavam sob a condição de fobia social (associava mais a 'simples incapacidade de lidar com as miudezas da vida' lol) mas se calhar é isso que tenho então, ainda que de forma mais ligeira que tu.

- Eu tenho medo de mandar mensagens no chat do Facebook, dizes tu. Eu também!! É curioso estar a ler isto, porque há umas semanas ganhei coragem de abordar uma colega minha do secundário através do chat do facebook. Ela respondeu e estou para lhe responder de volta há quase duas semanas... Não sei como responder decentemente à pergunta dela de como estou e como vai a minha vida, exactamente porque também penso demasiado nas palavras que uso e na impressão que irei causar. Mandar emails, idem, idem. Coisas tão simples como responder a um email do grupo de voluntariado (ou seja, sem nenhuma obrigação envolvida), estou há uma série de dias para o fazer porque não sei como me expressar da melhor maneira.

- Tens medo de fazer/atender telefonemas. Eu também. Ainda há uns dias queria ligar para o cabeleireiro para fazer uma marcação e até fazer a chamada levei uns bons minutos. O meu coração começa a bater rapidamente, pratico uma espécie de discurso antes de ligar mas depois a minha voz sai invariavelmente seca, quase antipática, e o discurso sai todo mal amanhado.

Gaguejar, corar,... acontece-me em toda e qualquer situação que exija mais do que compor 3 a 4 palavras numa frase. E eu adoro ler, adoro palavras, textos bem escritos, adoro ouvir os outros a falar, mas quando chega a minha vez... kaput.

Entrar numa sala e imaginar que estão todos a olhar para mim - isso já senti mais. Passei a aplicar a técnica de "dessensibilização" e repito umas quantas vezes para mim própria "não te aches especial, o pessoal tem mais que fazer que estar a medir tudo o que tu fazes ou dizes ao milímetro."

Outra coisa que também me ajudou nisto da linguagem corporal foi ouvir a Amy Cuddy numa TedTalk, https://www.ted.com/talks/amy_cuddy_your_body_language_shapes_who_you_are?language=pt#t-13114 .
Se não conheces, acho que te pode ajudar :)

Eu não sou nenhuma das pessoas que te rodeiam, mas acredita que te compreendo. Tenta trabalhar o mote "fake it until you become it" à tua maneira; é o que tenho feito desde que ouvi a Amy Cuddy e tem resultado :)

Catarina disse...

Obrigado pelo comentário :)
Também não sabia que estes "sintomas" todos pertenciam à fobia social, até ter ido a uma consulta de psicoterapia. Pensava que era só tímida!

De vez em quando consigo usar a técnica de dessensibilização em vários aspectos da minha vida - em parte devido à psicoterapia (à qual devia voltar mas vou adiando) - e afastar os pensamentos maus com um "se fosse outra pessoa a fazer/dizer isto, o que é que tu ias pensar?". Normalmente a resposta à pergunta é "nada".

O "fake it till you make it" já me é mais difîcil de implementar, mas vou ver essa talk :)